“Havendo aqui um povoado tão importante na estação balnear e casas com 80 e 100 habitantes e mais cada uma, a câmara de Guimarães, com o fim de prevenir alguma grande desgraça, mandou para aqui em Junho de 1865 uma pequena bomba sem pessoal algum, pelo que se adestraram no manejo d’ella e muito generosamente se constituíram em bombeiros voluntários 4 beneméritos moços, que prestaram relevantes serviços aos seus conterrâneos.” [1]
Acima se descreve a semente que iria mais tarde dar origem à criação da corporação dos Bombeiros Voluntários de Vizela.
Vizela contava na altura com cerca de 1700 habitantes, número esse que aumentava exponencialmente na época balnear com a vinda de aquistas à procura das milagrosas águas sulfurosas. Tal como nos indica Pinho Leal, os hoteis chegava a albergar cada um mais de 100 aquistas, para além das casas que disponibilizam quartos para alugar.
Tornava-se assim imperioso dispor de meios de socorro a incêndios que pudessem evitar alguma desgraça.
Um dos 4 voluntários que se disponibilizaram para usar a bomba vinda de Guimarães foi Francisco Pereira da Costa, proprietário de uma tabacaria em Vizela e pai de Armindo Pereira da Costa que na altura contava com 11 anos. Um desses voluntários chega mesmo a falecer numa ocorrência, conforme nos indica Pinho Leal. [2]
Encontramos na publicação O Bombeiro Portuguez uma menção aos briosos Bombeiros Vizelenses.
“ (…) nem tempo temos de assignalar, como devíamos, a bella estação da bomba da corporação de Bombeiros Voluntarios Vizellense, onde vimos uma excellente machina e um carro de material que attestam quanto esta corporação dos soldados ela paz, disseminada por toda a parte do mundo culto, é capaz de dedicação pela humanidade.” [3]
Armindo Pereira da Costa, criança ainda, foi talvez sendo inspirado pelo exemplo do altruísmo e coragem do seu pai, pois foi ele que, aos 23 anos, fundou a corporação dos Bombeiros Voluntários de Vizela.
A sua dedicação à causa foi de tal forma elevada que traçar a história da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vizela é assim traçar também a biografia de Armindo Pereira da Costa.
Foi a novembro de 1876 que reuniu alguns amigos em sua casa, lhes falou do projeto, expôs o seu raciocínio, apelou à compreensão de todos e pediu apoio para a sua concretização.
Constitui-se uma Comissão Promotora, da qual fazem parte Armindo Pereira da Costa, António Pedro Barros Lima, António José Dias Pereira, Abílio Torres, Joaquim Ribeiro da Costa, António de Azevedo Varela, Luís Antunes Pereira, Joaquim de Freitas Ribeiro Faria, Joaquim Pinto de Sousa e Castro, João Ribeiro de Freitas Guimarães e Clemente Marcelino de Oliveira, com a missão de desenvolver os esforços necessários para a formação da associação.
É nomeada a primeira Direção, chefiada por Abílio Torres e como 1º e 2º comandante, respetivamente, são nomeados Armindo Pereira da Costa e Joaquim António da Silva.
Sensibiliza-se a comunidade e realizam-se diversas campanhas de recolha de donativos. A rainha D. Maria Pia envia as primeiras ofertas.
A verba angariada permite a compra, no Porto, de “uma bomba grande de 2 agulhetas que custou 450$000 réis;_2 mangueiras que custaram 102$000 réis;_um carro de material (escadas, bicheiros, machados, etc.) que custou 150$000 réis;_ fardamento que custou 600$000 réis”. [4]
Um incêndio ocorrido a vinte e três de abril de 1877 salienta a urgência da criação da corporação.
“Na noite de 23 pelas 11 horas apegou-se o fogo à casa de Manoel Pedroza de Santa Suzana, sendo a causa estar esboracado o soalho da cosinha, e nos baixos estar tudo cheio de madeira secca e lenha. Diz-se que uma criança brincando com o lume, saltára fóra do lar cahindo pelas fendas do soalho apegando-se à lenha e madeira e depois ao sobrado. Ao brado de fogo e do toque do sino acudio muito povo e felizmente o exterminaram salvando o melhor da casa e toda a mobília. E calculado o proejuizo de 200$00 reis. Este fogo despertou a iniciativa do inteligente mancebo Armindo Pereira da Costa a promover uma Companhia de Bombeiros Voluntarios. … Oxala não descure e que os seus votos sejam coroados de louros, chamando nós atenção para a coadjuvação da ilma. Camara e companhias de seguros que recebem daqui grandes proveitos.”[5]
Agora que possuem os equipamentos, torna-se necessário ter formação no seu manuseamento e os vizinhos Bombeiros Voluntários de Guimarães prontificam-se para colaborar.
“Chegou sabado (28) a bomba para os voluntários e no domingo de tarde vieram de surpresa o 2º commandante e alguns voluntários de Guimaraes juntamente com o inspector dos bombeiros municipaes, Carlos D’Araujo Abreu, todos com o seu uniforme, prestando-se a trabalhar na bomba, escadas e salva vidas, numa casa de dous andares situada no largo d’Alameda, dando assim uma bella licao aos voluntários de Vizella. … findo o exercício foi-lhes servido um lunch .. durante o qual se trocaram brindes entre os bombeiros voluntários de Vizella e Guimaraes, confraternizando-se mutuamente.” [6]
A 8 de maio de 1877 é fundada a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vizela e inaugurado o seu quartel. A corporação, composta por 30 homens devidamente uniformizados e equipados e liderados por Armindo Pereira da Costa, 1º comandante e Joaquim António da Silva, 2º comandante, apresenta-se à população num desfile pelas ruas de Vizela. Conta com 12 sócios.
A nova corporação podia agora garantir a segurança contra incêndios “não só aos 500 fogos e 2000 habitantes, tantos contava a Vila de Vizela nessa data, mas também às populações e fogos de mais 14 Freguesias vizinhas, já nessa altura a cargo da nossa Corporação” .[7]
Seguem-se dias e semanas de treino com vista a melhorar cada vez mais as competências dos novos bombeiros.
“Os bombeiros voluntários tem feito exercício no domingo e quinta-feira, nas casas mais altas da Alameda, e vão muito bem; com poucas mais liçoes ficam prontos a poderem trabalhar publicamente na presença dos bombeiros amestrados. O seu primeiro comandante é incançável e todos os bombeiros tem vontade e perícia …”[8]
A 25 de agosto de 1877 surge o primeiro serviço dos Bombeiros Voluntários de Vizela, num prédio da Rua Joaquim Pinto, e a prestação do 1º comandante e de todos os bombeiros é objeto de valorização.
“Hoje de manha seriam 10 horas e pela occasiao da missa conventeal, tocaram os sinos de S. João a fogo, que se ateou n’uma casa terrea e de madeira logo adiante do açougue, e pertencente ao sr. Joaquim Pinto, próximo á mesma egreja. É um prédio que comporta 4 a 5 moradores ; o inquilino do meio deixou o lume acêso, fechou a porta e foi a missa. Foi a digna professora regia que deu fé, chamando socorro, e salvou umas duas crianças da vizinhança. De prompto acudiu a bomba dos voluntários que pouco funcionou extinguindo-o logo, pois foram tao acertados os trabalhos da bomba que foi apagado de prompto, nada sofrendo as moradas da direita e da esquerda, e apenas da casa aonde foi pegado o fogo se perderam os pucos trastes que o inquilino possuía. Em volta da casa alem de ser toda de estuque e madeira, tinha próximo uma porção de matto e taboado o que se não fosse o prompto socorro da bomba seria um grande incendio, que Vizella pela primeira vez presenciaria.
É dito por todos que tudo se deve aos prontos socorros da bomba; bem-haja o seu iniciador e primeiro commandante. Desde o primeiro comandante até ao último voluntario todos trabalharam com tanta vontade e inergia, que ao fim do fogo estavam banhados em suor. Foi o primeiro fogo com que foi estreiada a bomba e em trabalharem os voluntários, que mostraram estar já bem amestrados.
Oxalá não desanimem! O sr. Boaventura prestou alguns serviços, oferecendo cantaros ao povo para irem à agua e no fim deu agua ardente aos que estavam molhados pelo suor e pela agua. D’aqui damos os nossos parabéns ao commandante e a Companhia dos Bombeiros.”[9]
Outros incêndios surgem e a todos os bombeiros acorrem com profissionalismo e zelo. Os elogios são mais que muitos.
“ (…) O dono da moagem no dia seguinte escreveu uma carta a Armindo Pereira da Costa agradecendo-lhe muito o prompto e bom serviço prestado à sua propriedade e lhe pedia que assim fizesse saber a todos os bombeiros o seu reconhecimento. À vista, pois, d’isto, quem deixará de concorrer para o seu engrandecimento?”[10]
Torna-se necessário atualizar os equipamentos e, nesse sentido, é adquirida uma nova bomba manual em 1878 e em 1880 é importada da Alemanha a bomba Carlos Metz, generosamente oferecida por J. P. Caldas.
Nos anos que se seguiram, a fibra moral, a capacidade de trabalho, a honestidade e inteligência do fundador e Primeiro Comandante Armindo Pereira da Costa serviram de exemplo a todos os bombeiros vizelenses.
“Um dia o Presidente João Franco, que muito o admirava e estimava, ofereceu-lhe uma Comenda. Armindo Pereira da Costa, com o aprumo moral e intelectual que lhe era peculiar, redargiu-lhe serenamente: Nunca a usaria snr. Presidente, porque a não mereço. A melhor comenda que posso ter é a certeza que cumpri o meu dever, como homem e como Vizelense. Em lugar da venera que aliás muito agradeço, dê-me Vª Exª uma esmola para a minha pobre Corporação. Isso sim, aceito e agradeço do fundo da minha alma”.[11]
Grande parte da sua fortuna pessoal foi gasta nos bombeiros, pelo que, em 1899 vê-se forçado a emigrar para o Brasil, Pará, “com os seus bens muito comprometidos dando não só tudo o que possuía para sustentar a Corporação como as viúvas e órfãos dos seus camaradas vizelenses”. [12] Mesmo no Brasil, onde criou com sucesso uma empresa de exportação, enviava mensalmente uma contribuição financeira para a Associação.
“Os seus camaradas vizelenses com uma gratidão digna de registo não se esquecem também e decidiram em assembleia não aceitarem outro 1º Comandante na esperança do seu regresso. Fica pois como Comandante interino o mais tarde 1º Comandante António Feliciano de Araújo da Silva Caldas.” [13]
Traçamos desta forma a história do início. Desde então, Homens e Mulheres de bem, dedicados, altruístas, valentes, com farda e sem farda, contribuíram para o crescimento e fortalecimento da Associação.
A todos o nosso muito obrigado!
[1] Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal, and Pedro A. Ferreira. “12º volume.” In Portugal antigo e moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias .., p. 1932. Lisboa: Livraria Editora de Tavares Cardoso & Irmão, 1890.
[2] idem
[3] Bombeiro Portuguez, 1884
[4 ibidem
[5] Imparcial, Abril 1877
[6] Imparcial, Maio 1877
[7] Notícias de Vizela, Abril 1973
[8] Imparcial, Maio 1877
[9] Imparcial, agosto 1877
10] Imparcial, junho 1978
[11] Notícias de Vizela, 1973
[12] Sonho que se faz realidade: Inauguração do novo quartel, Júlio Damas, 1988
[13] idem